A RUA DE MINHA INFÂNCIA
Volto à rua de minha infância numa tarde de domingo e chuva. Madeleines tropicais tem corpos e falam: O aniversário de uma tia trouxe de volta familiares não mais familiares que se cumprimentam efusivos, antigos vizinhos a trocar mentiras gentis, velhos amigos se abraçam, se olham e se reconhecem.
Os nomes, os rostos, parecem saídos de um livro infantil, atualizados por um mago gozador, que vai pondo rugas em todos, vincando expressões, encurvando e diminuindo corpos, ao passo que eu mesma, numa mágica inversa, rejuvenescida, volto a ser a menina de 30 anos atrás.
A rua de minha infância é aquela das férias, quando o verão se aproximava e eu podia, finalmente, atravessar o portão, brincar com as outras crianças e jogar queimado e pique esconde. Eu sabia quando o verão estava para chegar pelo anúncio das mariposas e cupins que surgiam do nada, aos borbotões, dançando a ave maria em volta dos postes de luz, entrando pelas casas, ensandecidos com as lâmpadas e luzes acesas ao anoitecer.
Corríamos pela casa, fechando janelas e portas, numa tentativa vã de deixar de fora os danados que largavam suas asas e se multiplicavam, caminhando sobre móveis, comidas, chão, paredes, entrando até em algum nariz ou boca descuidadamente aberto.
A família a espalhar bacias e panelas, cheios de águas, postados em embaixo de algumas luzes, para que, ao ver a luz refletida na água, os cupins viessem ali se afogar.
Empolgada e imbuída do mesmo espírito devocional de Torquemada, eu movia a bacia para mais perto das luzes, provocando, iludindo, forçando mesmo os cupins mais cautelosos e sensatos a se afogar na água, já coalhada de corpos.
Minha rua, proibida o ano todo, se oferecia a mim, finalmente. Como se libertando minha crueldade eu antevisse a liberdade maior das férias, do verão e da rua.
Ao rever aquelas pessoas, redescubro meu olhar de criança, e me surpreendo ao vê-los envelhecidos. Percebo que eu, também, envelheci. Encontro, com exatidão, não sei se com prazer, meu lugar no tempo. Mas, percebo também, que meu anseio de liberdade se manteve comigo.
Os nomes, os rostos, parecem saídos de um livro infantil, atualizados por um mago gozador, que vai pondo rugas em todos, vincando expressões, encurvando e diminuindo corpos, ao passo que eu mesma, numa mágica inversa, rejuvenescida, volto a ser a menina de 30 anos atrás.
A rua de minha infância é aquela das férias, quando o verão se aproximava e eu podia, finalmente, atravessar o portão, brincar com as outras crianças e jogar queimado e pique esconde. Eu sabia quando o verão estava para chegar pelo anúncio das mariposas e cupins que surgiam do nada, aos borbotões, dançando a ave maria em volta dos postes de luz, entrando pelas casas, ensandecidos com as lâmpadas e luzes acesas ao anoitecer.
Corríamos pela casa, fechando janelas e portas, numa tentativa vã de deixar de fora os danados que largavam suas asas e se multiplicavam, caminhando sobre móveis, comidas, chão, paredes, entrando até em algum nariz ou boca descuidadamente aberto.
A família a espalhar bacias e panelas, cheios de águas, postados em embaixo de algumas luzes, para que, ao ver a luz refletida na água, os cupins viessem ali se afogar.
Empolgada e imbuída do mesmo espírito devocional de Torquemada, eu movia a bacia para mais perto das luzes, provocando, iludindo, forçando mesmo os cupins mais cautelosos e sensatos a se afogar na água, já coalhada de corpos.
Minha rua, proibida o ano todo, se oferecia a mim, finalmente. Como se libertando minha crueldade eu antevisse a liberdade maior das férias, do verão e da rua.
Ao rever aquelas pessoas, redescubro meu olhar de criança, e me surpreendo ao vê-los envelhecidos. Percebo que eu, também, envelheci. Encontro, com exatidão, não sei se com prazer, meu lugar no tempo. Mas, percebo também, que meu anseio de liberdade se manteve comigo.
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