Clube das Almas Inquietas

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segunda-feira, abril 13, 2009

Shakespeare e a população de rua do Rio de Janeiro



Em 1611, Shakespeare escreve sua última peça- A Tempestade.
Próspero, duque de Milão, é banido de seu reino por seu irmão e opositores, que o atraiçoam e o colocam num barco sem remos ou rumo.
Deixado a deriva, para morrer ‘a mingua, Próspero e sua filha pequena sobrevivem, chegando a uma ilha isolada e totalmente inabitada, distante de tudo, povoada apenas por espíritos e é apenas com eles que passam a conviver daí em diante.Próspero dedica-se, por muitos anos, a controlar e manter sob suas ordens estes espíritos, banido num mundo desumanizado, exceção feita à sua filha, a pequena Miranda, que trata de educar com esmero. Dentre os espíritos encontram-se Ariel, que representa o que há de melhor na natureza humana e também Caliban, o espírito bruto e incapaz de aprender e experienciar, voraz, ligado apenas a seus próprios instintos descontrolados.
Muitos anos depois, um naufrágio traz à ilha seus opositores e a vingança se torna possível. Miranda encontra os náufragos e, sem contato prévio com outros seres humanos, maravilha-se com este “admirável mundo novo” que se descortina diante dela, apaixonando-se por um homem do grupo.Dentre os náufragos também está Gonzalo, homem justo e bondoso, que dera ao pai e à filha, às escondidas, provisões, roupas, livros, enfim, objetos que lhes permitiram sobreviver na ilha.
Através do olhar de Gonzalo e de Miranda, Próspero reencontra sua humanidade, abdicando da magia e de viver na ilha solitária, liberta os espíritos, e decide retornar ao convívio dos homens.
Eis o que diz Próspero ao tomar essa decisão:
"Meus olhos, só pela visão dos seus,
Pingam de amor. O encanto se dissolve;
E como a aurora surpreende a noite
Derretendo o negror, os seus sentidos
Renascem e começam a banir
A névoa de ignorância que ora encobre
A razão clara
. "
(W.S.- A Tempestade)
Gostaria de acreditar que ainda hoje, até mesmo os banidos, os atraiçoados e destituídos de sua humanidade podem ser resgatados desta condição, através de um encontro humano. Gostaria que a Miranda em mim não se desiludisse de vez.
Quando olho para os rostos ressentidos e, acima de tudo, para o olhar sem luz e sem vida e com ódio daqueles que me apontam sua miséria cotidianamente na ruas do Rio de Janeiro eu temo que a noite se abata sobre meus sentidos e eu não mais consiga ver, sobrepujando o medo, que ali está meu irmão.
Eu temo preferir manter-me numa ilha isolada, sob controle, abdicando do convívio do mundo em vez de retornar a ele e combater, do modo que posso, a usurpação, a desonestidade e a corrupção.

Imagem:Rui de Oliveira

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