Clube das Almas Inquietas

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domingo, novembro 17, 2013

ONDE ESTÁ A CULPA?



A contemporaneidade me irrita.

Irrita-me por mil motivos, mas me irrita muito pela minha total incompetência em acompanhar seus padrões.

Fui da geração cabeça: Ia ao cineclube da Paissandu, ao cineclube do MAM assistir filme russo com legenda em espanhol.; A sala só possuía ar renovado, eufemismo para os cineminhas furrecas que não tinham ar condicionado, só ventiladores que mal e mal levantavam a poeira do ambiente. Imagine isto no Rio de Janeiro... até no verão!

Líamos muito: George Orwell, Castaneda, Garcia Marques, Ray Bradbury ( a ficção cientifica estava no auge assim como a literatura latino americana)) . Lembro da emoção de ler na semana do lançamento Incidente em Antares, de Veríssimo e do prazer na picardia das letras de protesto na MPB, exímias nas críticas escritas nas entrelinhas e nas metáforas.

Aprendi a valorizar o intelecto, o cérebro e menosprezar o coitado do corpo que penava com todos os excessos cometidos pela égide da contestação e da experimentação.

Porque a sessão nostalgia?

Para tornar santa e justa minha irritação.

No feriado de 15 de novembro, tive uma crise de cálculo renal que só se resolveu com uma intervenção cirúrgica para a retirada da bendita da pedra que cismou de obstruir o ureter. Nunca senti dor semelhante na vida e espero nunca mais sentir, um terror que me dá arrepios ao lembrar.

Mas não é disto que quero falar. Minha bronca reside em alguns comentários, supostamente solidários:

- O que é que vc anda comendo? Não deve estar fazendo uma alimentação saudável.

- Voce bebe muita água? Ah, tem de beber duzentos litros por dia.

- Ah, vc ainda toma refrigerante, hummm, isso é um veneno...

- Eu tomo muito cuidado com a saúde, justamente para não ter estes problemas.

Aonde, pergunto eu, aonde foi parar o murmúrio solidário, a resposta empática, a pergunta sobre a melhora das condições pessoais do doente?

Desde quando uma preleção sobre bons costumes (incluo aí os alimentares) conforta alguém?

Você adoece e é culpabilizado por isso. Se vc envelhece, se vc engorda, se vc fica triste, você é culpado de ter deixado a falha acontecer.

As mazelas humanas estão perdendo sua capacidade de despertar empatia. Se despertam algo, despertam alívio e sensação de virtude no ouvinte.

Da próxima vez que ficar doente, eu peço: Ajudem-me a me cuidar, mimem-me bastante e deixem a preleção para quando eu ficar boa, combinado?

 

 





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