Clube das Almas Inquietas

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sábado, março 20, 2004

OUTONO

Pedro, doce amigo, envia um e-mail onde me lembra da chegada do outono e do sentimento de melancolia associado à estação. Anexa Autumn Leaves com Diana Krall e sugere: Que tal um post sobre o outono?
Para completar, hoje, justamente hoje, é o Equinócio de Outono no hemisfério Sul e o de Primavera no Norte. Um dia mágico.


Querido Pedro,
Como você sabe, nasci, me criei e vivo nos Trópicos. Minha cidade só tem duas estações: mais quente e menos quente. Não tem árvores de tons cambiantes. Não tem a queda abrupta de temperatura nem o vento gelado insinuando o inverno a chegar. Aqui, o outono é infinitamente mais suave, sutil, quase imperceptível. Dias claros, de sol amoroso, menos inclemente. O meu outono tem muitas cores, não nas folhas, mas nas flores, como acontece com as quaresmeiras explodindo em roxos e violetas. Tem dias com a luminosidade mais bela do ano, que enfeita, banha e deslumbra sem ofuscar.
Só conheci o outono, como o outono de que ouvia falar, no final de setembro passado, quando estive do outro lado do oceano a ver amigos queridos, ganhando um carinho mais que necessário.
Deslumbrei-me com a paisagem de mudanças vertiginosas em poucos dias, as árvores tingindo-se em vermelhos, amarelos, laranjas, ocres e marrons, uma profusão de tons indescritível. Caminhei por bosques cujas trilhas ficavam cada dia mais macias das folhas que buscavam a terra para descansar e renascer. Descobri o valor de um casaco a aquecer o corpo, o aconchego de um cachecol a envolver o pescoço, a friagem da neblina misturar-se ao ar que expirava, tornando tudo uma paisagem de sonho.
Descobrir o outono foi um presente.
Não, Pedro, não sinto melancolia no outono. Sinto-o como uma promessa, um período de transição, de aviso. Ele me mostra que os ensolarados dias de verão, assim como os mais sombrios dias de inverno, são temporários, de que tudo tem seu tempo e que nada dura para sempre. Ele me aponta, concretamente, do passar da existência e da existência de um tempo finito e de mudança, que me liberta do medo maior da prisão intolerável do eterno e do imutável.
Um beijo,
Nina


Yolanda Mohalyi
Outono, 1972
óleo s/ tela

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