Clube das Almas Inquietas

Bem vindo todo aquele que quer mais do que o cotidiano pode oferecer

quinta-feira, abril 15, 2004

O CLUBE E OS EXCLUÍDOS

Pelo sexto dia, a guerra no morro continua.
Guerra no morro? Guerra na cidade. 12 mortos “oficiais” até ontem.
Um chefe de tráfico é morto, suas viúvas choram na porta do hospital municipal, a comunidade teme a invasão de um outro chefe do narcotráfico para a reconquista dos pontos de drogas deixados desguarnecidos. Morto Lulu, um “capo”assistencialista, paira a ameaça da volta de Dudu, o sanguinário, “capo” mau e violento, conhecido como estrupador, vingativo e intolerante.
Há como falar de outra coisa? Há como chamar de paranóia o medo cotidiano em ver os filhos saindo de casa para a escola e temer uma bala perdida num tiroteio? Há como se fazer de surdo e achar que não é comigo quando ouço de um morador do morro que não pode ir trabalhar, pois sua casa está perto demais do QG dos traficantes? Há como não me horrorizar quando ele explica, resignado, que ao ouvir o tiroteio, protegem-se, ele e a família, em baixo das camas, até que os tiros cessem? Há de chamar de insanidade quando nos acostumamos a ver os riscos luminosos das balas cruzando o céu, macabros fogos sem artifício, ou ouvimos as rajadas de AR-15 não mais perturbarem o sono, já habituais?
Como permanecer indiferente a este quadro de violência desmedida e galopante? Como ignorar a alienação social que permeia nosso olhar, instilando uma indiferença crescente ao meu semelhante, que o torna cada vez mais dessemelhante?
Os crimes contra o ser humano estão assumindo proporções e requintes de tortura cotidiana que nem a ficção mais perversa poderia reproduzir.
Nos descaminhos desse mundo globalizado, vejo meu povo, minha cidade, minha família, no fogo cruzados entre os poderosos, os pertencentes ao clube globalizado, como diria Bauman, e os excluídos da produção, do consumo, os sem cidadania, que aprendem na carne a regra do nada a perder.
Vejo-me, dia a dia, criando guetos, físicos e emocionais, aprendendo, também na carne a inexistência da convivência do coletivo e de uma cidadania compartilhada. Assisto, petrificada, a instauração da lógica da eliminação, a guerra sem tréguas, entre os que excluem e os que são excluídos.

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