Clube das Almas Inquietas

Bem vindo todo aquele que quer mais do que o cotidiano pode oferecer

domingo, dezembro 27, 2009

CARIOCA

Dentre os cronistas atuais, meu favorito é João Ximenes Braga. Se eu fosse mais saliente diria “João, adoro você!” A ênfase seria dada por um sonoro beijo na bochecha.
Abstenho-me de adivinhar a reação de João, invocando o santo protetor das tietes a fornecer bom humor ao admirado no momento da homenagem.

João me lembra Almodóvar. Ao mesmo tempo em que descreve com traços finos e precisos as mazelas do comportamento humano, João não se coloca acima de seu criticado e critica como apenas aqueles que amam verdadeiramente a humanidade o podem fazer.

Neste fim de semana, ele fala da presunção carioca com tamanha propriedade que imediatamente mil exemplos me vieram à mente. Se alguém critica um carioca, só pode ser paulista, ou mineiro, ou qualquer outra coisa que não seja o povo escolhido - os abençados nativos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Só que João, discordo de você, em parte. Aliás, não discordo. Sou mais específica. O tipo narcísico que você descreve tão bem não é qualquer carioca, não! Vale especialmente para aqueles que nascem na Zona Sul, em especial para os nascidos junto ao mar, entre Leme e Leblon.

A bem da verdade, o narcisismo muda de lugar para os nascidos na ZN. Estes carregam para além túmulo uma condição que se transmuta de acidente geográfico para falha constitutiva - suburbanos forever.
Não só nasci na ZN, como nasci e fui criada na Aldeia Campista, minúsculo bairrro localizado no períneo formado pelos bairros da Tijuca e Vila Isabel.
Garota, tornei-me Fluminense graças ao genial Nelson Rodrigues e todas as vezes em que lia sobre meu bairro em sua coluna no jornal, sentia-me vivendo num lugar realmente importante. Eu e a viúva com narinas de defunto partilhavamos o mesmo CEP.
Este orgulho amenizava o complexo de viralata, diagnosticado por Nelson em todo brasileiro frente ao estrangeiro. Sua descoberta, tenho certeza, originou-se da observação aguda do atabalhoamento invejoso e  reverente do tijucano ante a zona sul e do resto da zona norte ante os tijucanos.
 No Rio, querido João, há castas tão demarcadas e difíceis de serem transpostas quanto os mais conservadores grupamentos humanos.
O umbigo carioca  não está cheio de areia como você descreveu. A areia da Zona Sul  é  o umbigo da cidade, centro do belo e do ideal. Quanto mais nuclear, mais inflado e autoreferente. Quanto mais distante do umbigo, menor a valia e maior a viralatice da alma.
Moro hoje em outro períneo, no posto 8. Deve ser cármico morar nas fronteiras.
Híbrida que sou,  eis-me viralata com a areia no umbigo. Carioca.

|