Esconde-esconde era minha brincadeira predileta nas noites quentes de verão dos janeiros de muitos anos atrás. Era mais especial ainda quando acontecia num terreno anexo a um prédio em frente à casa, na pequena rua do bairro. Lá, soberana, reinava uma ampla quadra de futebol de cimento, franjada por uma área de terra, pontilhada por árvores diversas.
O azul tinto do céu a escurecer tardio, o som das cigarras embriagadas de calor, o medo provocado pelo vôo rasante dos morcegos junto às bananeiras misturado ao cheiro de nossos corpos suados, tudo isso transformava aquele lugar antes habitual, em terreno desconhecido, perfeito para o jogo, pleno de recantos e sombras.
Era para elas, para as sombras, que eu corria, à procura de uma árvore, uma porta, algum anteparo qualquer. Encontrava um refúgio e, semi-oculta a princípio, observava o movimento em volta, atenta ao numerar monocórdio cantado alto antes do jogo começar.
Brincadeira iniciada, a emoção da procura. O coração batendo mais forte ante a aproximação de alguém, a respiração suspensa, querendo ser procurada, não querendo ser encontrada, ao menos logo não, só depois, só mais tarde, esperando e tentando traduzir os ruídos em volta que anunciassem o sucesso de meu esconderijo ou seu fracasso e minha revelação.
Tudo era excitante nesse jogo de procuras e encontros.Tudo. Menos a demora em buscar, os sinais do abandono da procura, o possível esquecimento.De meu esconderijo, continha o impulso em sair e chamar a atenção de meu buscador, lembrando-o afinal, de minha existência. Continha-me, expectante. Via aqui e ali, crianças saindo de seus recantos, provocantes, numa arrogância que mal encobria suas inquietudes, entregando-se à captura antes que a alegria da brincadeira se transformasse em ansiedade e aflição.
Aprendíamos, no esconde-esconde da infância, a alegria do ocultamento, que só podia ser experimentada porque havia a presença de um outro a nos revelar.
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