Clube das Almas Inquietas

Bem vindo todo aquele que quer mais do que o cotidiano pode oferecer

segunda-feira, janeiro 26, 2004




Foi passear de barco.
O dia, glorioso, possuía uma luminosidade quase insuportável. Impossível não sentir a grandeza da paisagem onde cada detalhe era revestido de um brilho ofuscante.
A vegetação das margens avistada cada vez mais distante, os tons de verde, realçados por roxos, vermelhos e amarelos das flores salpicadas nas encostas, os muitos azuis da água espelhados no céu sem nuvens dava à cena uma beleza impressionista, de perder o fôlego. Era como se a paisagem exuberante banhasse em luz, vida e calor até mesmo os recantos mais sombrios da alma, lá, onde os medos antigos e as aflições sem nome se refugiam.
A parada foi em uma das centenas de ilhas da região. Selvagem, pequenina, apenas uma cabana de pescador denunciava a presença humana no lugar. A praia de areia clara e a sombra das árvores junto à margem convidavam para o mergulho e o banho, o cristalino das águas revelando dezenas de peixinhos, fugidios e velozes, assustados pelas presenças anômalas.
Afastando-se do grupo, ela caminha até a ponta da praia, pouca coisa, uns cem metros, era tão pequena a ilha, sentando-se, meio escondida, entre as pedras que formavam uma piscina natural.
Os peixes, apaziguados pela quietude da figura humana, absolveram sua intrusão e começaram a se aproximar. Alguns pareciam pequenas zebras, rajados em listas negras. Outros, em azuis e verdes, refletiam nas escamas a cor da água. Um outro, maior, todo em prata, exibia uma imensa pinta preta abaixo do olho.
Ela sorri para ele, acusando-o de coquete, lembrada dos sinais de beleza usados na corte francesa. Cortesão ou cortesã, quem sabe distinguir o sexo dos peixes, de alva peruca e rosto caiado, negra pinta a atrair olhares, pura sedução. Outros, ainda, totalmente azuis, de um cobalto forte, cor de noite que chega de repente, noite de verão.
Uma estrela do mar, rápida, desliza pelo fundo de areia, surpreendendo a mulher ao passar sob suas pernas, fazendo-lhe susto e cócegas.
Ela ri, espalhando o riso pelo rosto e se inclina para frente, abraçando a água, pedindo-lhe um colo cálido e ancestral. Desliza pela areia morna, na margem suave e se deixa ficar ali, um bom tempo, perdida em si mesma.
Na volta do passeio, busca a proa como lugar, versão em carne de tantas figuras de mulher esculpidas em barcos. Imóvel, sente com todo o corpo o vento, a água, o sal e a velocidade. Olha para a luz, para a paisagem, para o céu. Tenta beber, respirar, gravar na memória, todas as sensações - cheiros, cores, contrastes – armazenando, para os tempos difíceis e as longas jornadas, aquelas impressões de beleza e completude.

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