Clube das Almas Inquietas

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segunda-feira, março 01, 2004

ESTRANHOS FRUTOS

Meu pai adorava música americana. Nos fins de semana, ele punha discos na vitrola, sim, eram discos, grandes discos pretos de vinil e, em sua poltrona predileta, lia os jornais com calma. Eu deitava-me junto ao grande móvel na sala e ouvia, quieta e silenciosa, aqueles sons estranhos, diferentes de minha língua e da melodia habitual ouvida nos rádios da empregada: Cole Porter, Gerswhin, a música das “big bands” - Tommy Dorsey, Glenn Miller, Louis Armstrong e o piano de Duke Ellington, como me lembra meu professor de jazz.
O tempo passou. Por um bom tempo, outras melodias e outros ritmos me encantaram enquanto me desencantava de meus ídolos da infância e descobria as pessoas no mundo.
Mais tarde conheci a voz singular de Nina Simone que me apresentou ao universo das grandes vozes femininas. Ella Fitzgerald, Etta James, Tracy Chapman e Billie Holiday, entre muitas outras, expressam, de forma pungente, amor, paixão, solidão e perda, e também cantam sobre a injustiça e consciência social. Mulheres que cantam sobre o mundo e sobre o humano no mundo.
Há uma canção, em especial: Strange Fruit. Não foi composta por Billie, como muitos pensam, mas por Abel Meeropol, um professor judeu de Nova Iorque, estarrecido com os sucessivos lichamentos ocorridos no Sul dos Estados Unidos. Eles se conheceram por intermédio do gerente do Café Society, bar de esquerda no Village novaiorquino, que, ao ouvir a música em uma manifestação sindical, promoveu o encontro entre o autor e a cantora. A gravadora de Billie recusa-se a gravar a canção, mas Billie insiste, gravando-a em outro selo, tornando-a uma de suas marcas pessoais até sua morte em 1959.


Rubin Stacy, lynched in Fort Lauderdale on 19th July, 1935

Strange Fruit
Southern trees bear a strange fruit,
Blood on the leaves and blood at the root,
Black body swinging in the Southern breeze,
Strange fruit hanging from the poplar trees.
Pastoral scene of the gallant South,
The bulging eyes and the twisted mouth,
Scent of magnolia sweet and fresh,
And the sudden smell of burning flesh!
Here is a fruit for the crows to pluck,
For the rain to gather, for the wind to suck,
For the sun to rot, for a tree to drop,
Here is a strange and bitter crop.


Os jornais de hoje, setenta e cinco anos depois, estampam execuções, revoltas, ódio, intolerância e mortandade no Rio, Porto Príncipe, Caracas, Jerusalém. As árvores do Norte, do Sul, do Leste e do Oeste ainda geram estranhos frutos, com sangue nas folhas e sangue na raiz.

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