Clube das Almas Inquietas

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segunda-feira, maio 31, 2004

CONTO PARA JOVENS PRÍNCIPES E PRINCESAS

A ARMADURA DO PRÍNCIPE


Toda estória começa com era uma vez... e esta também começa assim.
Era uma vez um reino distante, onde viviam um rei, uma rainha e seus filhos - os príncipes e as princesas. O rei e a rainha começaram a não se entender e era grito, berro, discussão ou então... aquele silêncio pesado de antes da tempestade. Quase todo dia tinha trovoada no castelo. Os príncipes e princesas não entendiam nada e achavam que reis e rainhas eram muito estranhos. Tinham medo de que o mundo se acabasse nessas tempestades e brigas.
Um dia, o rei e a rainha decidiram dividir o reino. O rei foi morar em outro castelo, pegando suas roupas, cavalos e vários objetos. Os príncipes e princesas ficaram morando com a rainha, depois com o rei, com a rainha de novo, outra vez com o rei, a maior confusão.
A rainha estava com muita raiva do rei e dizia cobras e lagartos dele. O rei também estava zangado e achava a rainha uma bruxa horrorosa! Quanto mais a rainha falava mal do rei, mais confusos os príncipes ficavam, pois gente, se não dá prá dividir por fora, fica assim - dividida por dentro.
Os príncipes, pensando que o rei não era mais rei mas um dragão muito perigoso, tiveram uma idéia que lhes pareceu ótima no momento: usar uma armadura bem dura! Pensaram que a armadura não permitiria que fossem feridos e foram colocando camadas e camadas de ferro entre seus corações e o mundo, divididos entre a saudade e a falta do rei e a dúvida sobre quem ele realmente era - rei ou dragão, como dizia a rainha. Divididos também estavam pelo medo de que a rainha, igualmente, não fosse quem dizia ser, mas uma bruxa malvada, disfarçada de boa.
No começo, o esquema da armadura até que funcionou mais ou menos, mas o tempo foi passando e a armadura começou a incomodar. Eles foram crescendo, e a armadura os atrapalhava nas menores coisas, impedindo seus movimentos, deixando-os enrijecidos e aprisionados. Tudo ficava afastado: Protegia um bocado dos machucados, mas também os impedia de sentirem os beijos, os abraços, carinho, saudade e aconchego. Andar de armadura começou a doer tanto quanto o medo de sofrer.
O rei, ao ver os príncipes todos “armadurados”, pensou que estes o odiassem e começou a andar de armadura também. A rainha fez o mesmo. Foi um desastre! A guerra se espalhou. Quando todos se encontravam só se ouvia: Clac! Planc! Clung! Pumm! Todos estavam tão engaiolados naquela porcaria de armadura, que se chocavam uns com os outros, fazendo tanto barulho, que qualquer coisa que pudessem querer dizer era abafado pela barulheira. Ninguém aguentava mais, até que o rei foi consultar uma curandeira na floresta porque um dos príncipes, especialmente, estava muito zangado e infeliz, brigando com o mundo todo, não reconhecendo mais quem podia ser amigo ou não.
O rei conversou com a curandeira da floresta, que lhe pediu para trazer os principes e princesas para também conversar com eles. Ela conversou com todos: o rei, a rainha, o principe zangado e os outros, tentando ouvir além do ruído que as armaduras faziam. Ao conversar com o principe zangado várias vezes, os dois, juntos, descobriram que a armadura lhe atrapalhava mais do que ajudava.
O príncipe percebeu que reis e rainhas também usam armaduras pelo mesmo motivo que ele - medo de se ferir e perder seu lugar no mundo. Percebeu, também, que armaduras pesadas abafam os sentimentos e ensurdecem os ouvidos.
O príncipe descobriu que o rei não era um dragão e que ele, príncipe, não queria nem podia ser o cavaleiro matador de um dragão que nem sequer era dragão. Notou, igualmente, que a rainha não se transformava de fada em bruxa, de bruxa em fada, a cada segundo, confundindo-o. Confusa ficava ela na briga com o rei, deixando-o confuso por sua confusão.
Compreendeu, então, que reis e rainhas são humanos e, às vezes, esquecem de seus súditos, em sua zanga. Percebeu haver uma guerra por reinados, que, como toda a guerra, fere mais aqueles que nada tem a ver com ela, os mais fracos.
Entendeu que podia escolher não guerrear uma guerra que não era sua.Um rei pode continuar a ser rei e uma rainha pode continuar a ser rainha, mesmo que o reino que foi dos dois um dia, não exista mais. Novos reinos podem ser criados, com fronteiras diferentes e até novos companheiros de reinado podem surgir. São questões de estado, e que variam, de acordo com o tempo e modo como reis governam seus reinos. Jovens príncipes não precisam de governantes, nem de serem árbitros em questões de Estado. Jovens príncipes precisam de pais e de seu amor por eles.
Reis e rainhas precisam ser lembrados de não misturar questões de reinado com questões de pai e mãe. O importante, para os príncipes, é ter pai e mãe. Não há decreto ou lei ou guerra que destitua o lugar de pai e mãe. Desse reino não há expulsão, só exílio voluntário.
Pais acertam e erram, fazem bobagens e coisas legais, não existindo nenhum que seja perfeito nem que seja totalmente horrendo. Podem fazer tudo isso, contanto que estejam lá, para proteger seus príncipes e princesas das guerras internas. Só assim, pequenos príncipes podem abrir mão de usar armaduras, grandes demais, pesadas demais, para eles. Armaduras que, se lhes garante a sobrevivência, não lhes permite crescer com confiança e liberdade.
Tendo entendido que seu lugar não era num campo batalha, de lealdades divididas, o jovem príncipe zangado com todos pode, então, começar a despir sua armadura e ir brincar, que é o que todo jovem príncipe faz. Brincar de ser rei, sem ter destruir de verdade os reis, seus pais. Porque é brincando de ser rei, que rei ele vai ser, um dia.

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