Clube das Almas Inquietas

Bem vindo todo aquele que quer mais do que o cotidiano pode oferecer

quinta-feira, outubro 02, 2008

Meu caro amigo

Caro amigo,
Você me pede novos textos. Não os tenho. Algumas frases, esboços, nada mais. Tenho buscado novos modos, uma nova maneira de viver a mesma vida que me coube ao nascer. No entanto, para que haja lugar para o novo preciso despedir-me do velho, reconhecer sua morte pela perda de lugar e sentido,entender que partes de mim deixam também de existir e, ainda assim, compreender que não morro com elas.
Um exemplo disto é contar-lhe que há pouco dias tive notícias de alguém do passado.Eu certamente poderia lhe dizer: Ah, como foi linda aquela história!
Mas de que história eu falo? Da que vivi ou da que sonhei viver?
A história sonhada exige vestir-me de princesa, engalanar príncipes, criar ogros e bruxas que justificassem as dores e incompreensões.
Era eu princesa, era ele príncipe, havia ogros e bruxas?
Não. A história vivida reconhece que os silêncios, as omissões, o desentendimento, a angústia das fraquezas e das impossibilidades circunstanciais não vinham dos ogros e das bruxas, mas do príncipe e da princesa que não éramos.
Não mais vida sonhada, ilusoriamente dourada pelo que poderia ter sido. Vida vivida, eu quero.
Histórias, personagens, ficção, tem ficado um pouco de lado até encontrar-lhes o lugar devido.
Complicado?
Complicado tem sido sentir tudo isso. Complicado o esforço em reescrever-me, reinventar-me quando o medo da dor da perda me faz quase desejar nada sentir.Complicado é perceber que nada sentir, renunciar ao sonho, em vez de alívio, traz vazio.
Sou capaz de acreditar que é complicado, mas possível mudar.
Espero poder ser capaz de viver a vida com lugar para o sonho, sem viver nele.
Poder imaginar personagens sem sê-los, tecer narrativas sem me enredar nelas, escrever meus contos e sempre, sempre a poesia.
Acabei de perceber que os contos são para serem escritos, não vividos.
Uma descoberta interessante, não acha?

Um abraço

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