Clube das Almas Inquietas

Bem vindo todo aquele que quer mais do que o cotidiano pode oferecer

sábado, dezembro 27, 2003

Espalho meu cansaço na cama larga e amarela.
Só percebo que não a desfiz,
depois.
Depois do Natal.
Depois de uma chuva de dois dias.
Depois da agitação febril dos preparativos.
Depois do início da festa e do seu fim.
Depois dos presentes, dos abraços, dos encontros.
Depois das comidas, das bebidas, dos excessos.
Depois de tudo,
me vejo deitada
na cama larga e amarela.
Construo lembranças.
Reajusto as medidas dos meus sonhos.
Costuma ser assim,
no depois.

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quarta-feira, dezembro 24, 2003

Véspera de Natal.
A todos os frequentadores deste clube:
Um Natal bem carioca!

Aproveitando,repasso os votos pra 2004 mais bem humorados da estação, cortesia de Marcella Magrella do Almas Penadas:

Caros amigos,

"SE EM 2003 ATÉ O SADAM SAIU
DO BURACO, ESPERO QUE EM 2004 NÓS TAMBÉM CONSIGAMOS...."


Um ótimo ano novo para todos nós!
Um beijo da Nina.

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terça-feira, dezembro 23, 2003




Hoje, noite de solstício, visito as Plêiades.
Queria atar estrelas a meus olhos para iluminar meus sonhos.

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segunda-feira, dezembro 22, 2003

Fiquei me perguntando porque gosto tanto de escrever.
A maior parte das vezes, o tema é coisa trivial, uma bobagem, um pensamento, pequenos fatos, mas que parecem expressar o que se passa dentro de mim.
Gosto de escrever para poder me comunicar com aqueles a quem amo e permitir que acompanhem minhas mudanças e eu as deles.
Se pouco ou nada compartilhamos, a distância pode ir ficando grande demais e podemos não mais nos reconhecer.
E, isso sim, seria um desastre.
Não é a distância pela distância, nem o não ver, que é mortal.
É o estranhamento, é olhar para a pessoa e não a reconhecer mais, não encontrar um único motivo pelo qual você sabe porque está ali.

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domingo, dezembro 21, 2003

EGO, CAMARÃO E HORTALIÇAS



O telefone toca. A amiga pergunta se vou à feira.
-Hoje não, pode me comprar dois pés de alface e um quilo de camarão?
-Quer passar aqui para pegar o dinheiro ou te pago depois?
-Depois a gente acerta, mas com juros, viu?
-Só se for muito “juro que pago...”.
Mais tarde, o encontro no portão do edifício.
No meio da correria do dia, o sorriso no rosto da amiga é afago de irmã. Tanta coisa para ser - mãe, mulher, dona de casa, profissional, ai cansaço, que bom que trouxe, obrigado amiga, quanto devo. Com a encomenda, um recado:
-Sabe o moreno da barraca de verdura? Assim que me viu, sem você, perguntou: Cadê a “lindona” da sua amiga?
A mão sobe automática aos cabelos, dedos em arremedo de pente, busto levantado, Vênus invocada.
A amiga percebe o gesto vaidoso, não perde a chance:
-Tá precisando operar a catarata, tadinho.
-Pura inveja, meu bem...O rapaz tem um senso estético apuradíssimo. Se não te chamou de lindona, azar o seu!
O riso desmente o azedume da resposta. Mais que irmãs, parceiras, melhor que isso, cúmplices. Cúmplices na implicância, nos segredos, nos medos e dores, na ida à feira, na briga e na vida.
Na porta do prédio, verduras, frutas, legumes e camarão como testemunhas do tempo roubado `a casa. Meninas de novo, trocando descobertas, especialistas inventadas, descrevendo, pura ciência do humor, os efeitos terapêuticos da feira livre nos egos femininos.
-O bem que faz essa ida, imagine você. Quem vai aos hortifrutis da vida ou ao mercado, quem simplesmente coloca no carrinho de compras o produto embalado, não sabe que ir à feira é mais que trazer produtos frescos para a mesa. Feira é outra coisa. A feira é encontro. Feira é descoberta. Feira é onde se ganha, livremente, generosamente, junto com os legumes, uma restauradora massagem no ego. Feira é spa de ego.
-Olha o que um disse, que figura, adorei, ah é bom, né?
-Princesa, chegue mais, prove aqui, esta melancia está mais doce que você...Um pedaço prá provar...
- Minha linda, o que vai levar hoje?
- Senhorita!
Senhorita? Linda? Princesa?
Sou eu. Sou eu, sim. As palavras bordam pérolas na camiseta de propaganda, os anos escoam do rosto e da alma, manto e cetro tecidos em brins de veludo. O elogio vende laranja? Que seja. Meu ganho é maior. Compro três dúzias, mais dúzia e meia de tangerinas e um saquinho de limão, ainda por cima. Para lindas senhoritas, a compra, é mero detalhe.
O granjeiro, reverente, anuncia:
-Madame, está tudo fresquinho, como a senhora merece...
Rainhas, recebendo um tributo merecido.
E o barraqueiro das frutas? Ah, o barraqueiro... O barraqueiro que lhe chama de gata, que oferece uvas com a solicitude de um escravo núbio e o sorriso sedutor de um Casanova imigrante. Gato é ele, no auge dos trinta anos, tesão de cara e corpo. Casanova? Não! Erro de personagem. Don Juan, o sedutor, desvelando na mulher diante dele, a beleza que já existia nela, só que escondida.
Isso é o que a feira dá, não vende.
O carrinho carregado de compras, bocas a alimentar, só traz o excedente. O ego, já nutrido, cuidado, torna mais leve o passo, mais altaneiro o porte, na volta. O movimento do quadril se enlaça ao olhar do feirante, os dois, conscientes, lembrando e lembrados que foram do feminino coquete que existe em toda mulher.
Na porta do prédio, o pacote de camarão pinga, o papel cinza colado no plástico, clama por gelo e limpeza. A despedida agora é breve, o tempo urge. Vão para suas casas, as amigas, lembranças compartilhadas, como a alegria e o riso, desnudando o prazer de ser mulher, tantas vezes encoberto pela poeira do descuido.

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quinta-feira, dezembro 18, 2003



"Já me disseram que ninguém canta a palavra ´fome´ como eu. Ou a palavra ´amor´. Talvez seja porque eu me lembre do significado dessas palavras"

Billie viveu as paixões que cantou. Exageradamente. Apaixonadamente.
Segundo ela, a gente nunca sabe quando é suficiente até que a gente sabe que foi mais do que suficiente.

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terça-feira, dezembro 16, 2003

CANÇÃO DE NATAL





Todo o dia a miséria dá bom dia.
Todo dia a criança pede no sinal.
Todo dia tem desgraça no jornal.
Todo dia me assusta o quanto
E o tanto que o homem faz de mal.
Todo homem um dia brada:
Não acredito em nada!
Todo homem se chama sábio.
Alguns homens de piedosos.
Outros homens se enganam:
Não é comigo. Eu não ligo.
Muitos um dia descobrem
Inquietas consciências.
Mas há um dia em que um menino,
depois homem
Se Deus ou seu filho, não importa
sinaliza a esperança e a fé
de um novo começo.

Nesse dia essa estrela guia
De nossa vida imperfeita,
De todo erro passado,
De nossa pobre humanidade,
Anuncia algo a ser resgatado.
E por um dia, ao menos por um dia,
Aquela estrela cria
Luz e magia.
É Natal.




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segunda-feira, dezembro 15, 2003

Confabulações de fim de ano

Às vezes a gente cisma de passar a vida fugindo da dor de perder alguma coisa ou alguém. O resultado é desastroso pois só se consegue, no final, perder a própria vida, ao se escolher não viver para não sofrer.

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sexta-feira, dezembro 12, 2003

ROBERT FROST

Encontrei no blog o companheiro secreto uma excelente tradução de um poema de Robert Frost pelo qual sou apaixonada.
Queria registrar aqui a incrível beleza dos versos.
Ao tradutor, que não foi traidor, meu obrigado.

THE ROAD NOT TAKEN

Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;
Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,

And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I marked the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I-
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.





O CAMINHO NÃO TRILHADO


Num bosque de folhas amareladas
dois caminhos havia e eu não podia
ser dos dois caminhante, fiquei ali
a concentrar-me num deles,
olhando fixamente até perdê-lo de vista
nessa curva da folhagem distante.

Mas foi pelo outro que fui, igualmente bom
e até certo ponto talvez melhor,
porque cheio de erva e a pedir que o usassem;
embora quem por ele passava
ainda mais usado se sentisse.

Tanto um como o outro ali estavam,
de folhas no chão que nenhum pé escurecera.
Oh, deixei o primeiro para outro dia!
Mas sabendo como um caminho a outro leva,
duvido que lá possa voltar um dia.

Isto direi com um suspiro na alma
no tempo que durar a minha vida:
Havia nesse bosque dois caminhos, e eu --
eu fui pelo menos utilizado,
e aí reside toda a diferença.

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quinta-feira, dezembro 11, 2003

OUTRA VARIAÇÃO SOBRE UMA AULA DE DANÇA

Meu professor de dança chegou com uma novidade. Em vez de treinarmos os passos marcados da dança de salão, ele disse:
- Vou dançar como meu avô dançava...
Lá fomos nós, de rosto colado, ele dançando e eu seguindo, ou melhor, tentando seguir seus passos que se alteravam numa variação infinita de movimentos e direções.
Mesmo acostumada a dançar com ele, eu me perdia e ficava aflita em segui-lo. Na forma tradicional de dançar, bastava olhar para seu rosto ou movimento corporal e, sabendo os passos, bastava ficar atenta para eu saber oq ue iria acontecer, para onde ele ia ou o que pretendia. Desta nova forma, o repouso que me dava "ler" visualmente suas intenções, se perdia com o rosto colado. Não mais via para onde íamos. Não havia nenhuma marcação definida, apenas o ritmo da música, o toque de suas mãos e a percepção de meu corpo, junto ao dele, para me guiar.
Chegamos ao final da dança, sem grandes percalços, mas confesso que o prazer que sempre tenho não tinha existido. Estava cansada, aliviada com o fim da dança. Tinha ficado tensa, mais preocupada em não errar do que no prazer de dançar.
Ele me pergunta o que achei e lhe respondo da estranheza desse novo modo, congratulando-me, no entanto, por não ter lhe pisado os pés nem tropeçado nos meus mais do que o que se pode chamar de razoável.
Meu professor comenta:
- Você sentiu que não houve a cumplicidade que a gente sempre tem.
É, não houve.
Contei-lhe sobre minha necessidade em ver, para poder antecipar o movimento do outro, de me certificar de que seria capaz de acompanhar, corresponder ao esperado.
Ele me sugere apenas ouvir, sentir e me deixar levar.
Custo a perceber de que ele está falando em confiança - quando me diz que nessa intimidade é possivel ir com o corpo à frente sem o receio de atropelar ou ser atropelado.
Dançamos outra música. Fecho os olhos, descanso meu rosto no dele e me deixo levar pelo ritmo, pela melodia e por sua condução.
Dançamos e, apesar dos erros, foi uma delícia. Ele fez passos muito mais complicados, mudou o ritmo, "brincou” com a música e com o corpo.
Ao final, meu professor comentou que eu tinha ficado mais solta e tinha havido muito mais harmonia entre nós.
Eu percebera que o segredo era confiar. Ele me mostrara,sem nada dizer, que não me deixaria cair, nem me abandonaria no meio do salão.
Aprendi que posso confiar nele como parceiro sabendo que, mesmo que eu erre, ele não vai persistir no passo dele, aumentando a distância que eu possa ter causado, mas, ao contrário, vai adequar seu passo para que eu reencontre meu lugar junto a ele.
Aprendi a confiar que um passo errado não estraga nossa dança nem nos transforma, irremediavelmente, em péssimos dançarinos.
Aprendi que mais importante que o passo é a parceria.
Pude me entregar, porque confiava. Ele pode ousar porque confiava no meu desejo de permanecer junto a ele.
Sem essa confiabilidade intrínseca jamais poderíamos ter dançado como dançamos. Sem ela, ele não poderia ter liberdade de fazer variações e eu não teria a liberdade em consentir e usufruir destas variações, porque estaria tão preocupada com a falta de liberdade de não errar, que mesmo que eu não tivesse errado nada, não teria ganho muita coisa exceto o "conforto" relativo do não erro.
O resto da aula transcorreu dessa forma. Do bolero passamos ao forró e ao baião. Danças intimistas, coladas, onde o espaço é compartilhado quase por completo, meu corpo cedendo lugar ao dele e vice-versa, no ritmo. Nem sabia o que meus pés faziam, e nem pensava sobre isso, deixando o corpo sentir, ler, ver e ouvir.
A hora voou e quando nos demos conta, meu jovem mestre já estava atrasado para sua próxima aula.
Ele não sabe que, mais do que dança, me ensina sobre viver.

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quarta-feira, dezembro 10, 2003

EXORCISMO LITERÁRIO

Quando penso em você,
não conto o tempo pelo calendário
nem pelas horas do dia.
Conto o tempo pelos nãos.
Pelos dias que não lhe vi.
Pelo tanto que não nos falamos.
Pelas vezes que não nos amamos.
Quando penso em você
também lembro do que tivemos
e preencho com sins os nãos que vivemos.
Recrio seu rosto e seu olhar
seu jeito manso de falar
e, mais que tudo,
o que não era preciso explicar.
Quando penso em você
vejo o sorriso que perdi
e a carícia, que não mais dei ou recebi.
Escuto a falta de eco de um riso
e ausência de seu gesto, tão preciso,
ao me tocar e me fazer querer amar.
Quando penso em você
nunca é intencional.
Força eu faço para não lembrar.
Mas é nesses pequenos nãos,
obstinados e teimosos nãos,
que eu me lembro de você.
Sim, eu faço mágica e alquimia,
qualquer truque ou fantasia.
Eu só não sei,
se para esquecer
ou para lhe ver,
de novo.
Um dia.


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terça-feira, dezembro 09, 2003







Sobre o post de hoje da Anouk
Às vezes, parece que a gente perde o segredo que permite que o encantamento se espalhe pelas noites e pelos dias.
Leva tempo, tudo fica tão pesado e prosaico até que algo ou alguém nos faz lembrar.
O esquecimento é desfeito, o segredo reencontrado e as noites encantadas outra vez.

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segunda-feira, dezembro 08, 2003

Caco veio fazer uma visita e eu fui lá no blog dele retribuir. Gostei muito e ainda tive a cara de pau de roubar um link maravilhoso para a poesia de
Fernando Pessoa

Encontrei lá um texto incrível para aqueles perdidamente apaixonados pela palavra.

Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie - nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand, fazem formigar toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até, de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida.

Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trémulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.

Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o rei Salomão. «Fabricou Salomão um palácio...» E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais - tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não é - não - a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.

Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico.Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.

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Repassando, para quem ainda tem dificuldade em saber a diferença entre Software e Hardware:
Software é a parte que você xinga.
Hardware é a parte que você chuta.

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domingo, dezembro 07, 2003

Hoje, desde cedo, escuto, insistente, o eco da voz emocionada de Maria Bethânia:

Porque foste na vida, a última esperança,
Encontrar-te me fez criança,
Porque já eras meu, sem eu saber sequer
Porque és o meu homem, e eu tua mulher.
Porque tu me chegaste
Sem me dizer que vinhas
E tuas mãos foram minhas, com calma
Porque foste em minh'alma como um amanhecer
Porque foste o que tinha de ser.

O que tinha de ser(Tom Jobim - Vinícius de Moraes)


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sábado, dezembro 06, 2003

Tenho a sensação de que quando caminho e largo a pensar, é como se me enovelasse dentro de mim e me olhasse para dentro, visitando-me.
Encontro pensamentos, muitos, distintos e divergentes, flutuando em mim.
Alguns são mais pesados, espessos, me tomando por inteira, fazendo mais lento o caminhar. Outros, meros fiapos, fragmentos, tornam meu passo leve, ligando-me, de leve, ao ar. Outros ainda, me deixam na dúvida em como foram parar ali.
Eles mudam caleidoscópicamente, seguindo uma lógica que desconheço (e que abri mão de procurar) e mesmo tão diferentes, parecem ser unidos frouxamente, como uma bola de barbantes usados.
Visito a bola na memória, recordando as muitas cores, texturas e diâmetros.
As pessoas costumavam guardar, ao longo dos dias, pedaços de fios, barbantes e cordões num novelo comum, preservada memória do que fora vivido, reserva garantida de ligações.
Descubro recolher nessa visita dentro de mim, os fragmentos de vida que costuram meu existir e, juntando isso tudo na bola de barbantes, faz bastante sentido que sejamos tão distintos assim.

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AROMATERAPIA



Estados Unidos, 05/12/2003 - Mias, um orangotango de 20 anos, relaxa no zoológico de Denver após uma sessão de aromaterapia.

Se alguém marcar hora com seu aromaterapeuta, marca também prá mim?

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sexta-feira, dezembro 05, 2003

NESTA CIDADE DO RIO


“Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto
estou sozinho na América”.


(A Bruxa – C. D. Andrade)


Estarei sozinha?

Nesta cidade do Rio, de muitos milhões de habitantes, velhos e moscas, ordeiros e murmurantes, aguardam sua vez nas filas de pensão.
Há pouco, o som de um tiro anunciou luta a meu lado, o tráfico matando alguns enquanto sofre a baixa de mais um pseudochefão.
Camelôs, ao sol, vendem sonhos roubados para comprar a sobrevida.
Famílias alugam seus filhos, cobrando culpas e vendendo indulgências nos sinais.
Da janela, vejo os ônibus se enchendo de dores e de tédio e imagino um metrô abarrotado de cansaço e sonhos em vão.
Enquanto isso, shoppings centers oferecem um oásis refrescante de alienação e consumo e aviões deixam um rastro branco no céu, dissipados vestígios de impolutas consciências empresariais.
Fecho a janela e os ouvidos, mergulhando meu cansaço no regaço das palavras.

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quinta-feira, dezembro 04, 2003


Alice apanhou o leque e as luvas, e, como fazia muito calor no salão, ficou se abanando sem parar enquanto falava: "Ai, ai, Como está tudo esquisito hoje! E ontem as coisas aconteciam exatamente como de costume. Será que fui trocada durante a noite? Deixe-me pensar:eu era a mesma quando me levantei esta manhã? Tenho uma ligeira lembrança de que me senti um bocadinho diferente. Mas, se não sou a mesma, a próxima pergunta é: "Afinal de contas quem sou eu? Ah, este é o grande enigma!"
(Lewis Carrol)


Como descrever o que sente uma alma inquieta no auge da inquietude?
Eu me perco de mim.

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quarta-feira, dezembro 03, 2003

Meia noite e tal.
Hora das feiticeiras se divertirem e das boas meninas virarem abóboras.

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terça-feira, dezembro 02, 2003



...quero apenas viver direito, sem ser por procuração ou pela metade.
Sempre me protegi tanto, sempre fui tão medrosa, sempre deixei de fazer tantas coisas que queria por medo de fazê-las, que acho que estou vendo que é um desaforo não fazer, por temer.

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segunda-feira, dezembro 01, 2003

VARIAÇÃO SOBRE UMA AULA DE DANÇA




Meu professor de dança se saiu com uma pérola ao ensinar a importância da forma correta de conduzir a dama. Suas instruções, por si só, dariam um manual de como tratar as mulheres -firmemente, mas sem brusquidão, deixando claro o que deseja, mas sem empurrá-la. A dama, por sua vez, não pode se antecipar ao movimento do cavalheiro, nem ir na direção oposta, mas opor uma sutil resistência que desperte nele o desejo de guiar.
A pérola foi a frase dita por ele em resposta à sua própria pergunta: “- Sabem o que é um homem que agrada as mulheres?” "- É um homem interessado”.
Eu babei... porque é isso! Tanto para homens como para mulheres, interessante é aquele que se interessa por nós, que nos vê ao olhar, que sente prazer em saber o que o outro sente, sinceramente, sem medo de ser submetido ao desejo do outro, porque tem tranqüilidade suficiente em sentir a si mesmo. Que demonstra esse interesse quando ele é genuíno, não como uma forma de sedução, mas porque há satisfação real em acompanhar o outro.
Começo a entender porque dançar é tão lindo de se ver e de se fazer. É preciso manter sempre o próprio ponto de equilíbrio, nunca o delegando ao outro, mas encontrando sempre o prazer de olhar, acompanhar, formar um par, para que os dois acertem seu passo em passos sempre distintos mas complementares.

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INQUIETUDES DE OUTRA ALMA

IMAGINÁRIO

Meu passado é um barco
à deriva no horizonte de meu inconsciente.
Um barco roto
que viaja em terras intocadas
- absolutamente errante -
onde sonhei vitórias-de-mim-mesmo.
Eu. Eu mesmo.
Eu que vivo nesse passado
sei que em meu mundo não há conquistas
onde supus conquistas
mas paredes desconhecidamente sem prumo
a conduzir pelo nada
meu barco
apenas meu barco.
duayer

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DE BOM TAMANHO

Lembranças são curiosas. Sabemos que não são reais, mas não importa. Elas servem.

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MAIS UM POUCO DE MAGIA



Chegou meu novo Harry Potter.
Fui para Hogwarts.
Se alguém precisar falar comigo, mande uma coruja com o recado.

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