ONDE ESTÁ A CULPA?
A contemporaneidade me irrita.
Irrita-me por mil motivos, mas me
irrita muito pela minha total incompetência em acompanhar seus padrões.
Fui da geração cabeça: Ia ao
cineclube da Paissandu, ao cineclube do MAM assistir filme russo com legenda em
espanhol.; A sala só possuía ar renovado, eufemismo para os cineminhas furrecas
que não tinham ar condicionado, só ventiladores que mal e mal levantavam a
poeira do ambiente. Imagine isto no Rio de Janeiro... até no verão!
Líamos muito: George Orwell,
Castaneda, Garcia Marques, Ray Bradbury ( a ficção cientifica estava no auge
assim como a literatura latino americana)) . Lembro da emoção de ler na semana
do lançamento Incidente em Antares, de Veríssimo e do prazer na picardia das
letras de protesto na MPB, exímias nas críticas escritas nas entrelinhas e nas
metáforas.
Aprendi a valorizar o intelecto, o
cérebro e menosprezar o coitado do corpo que penava com todos os excessos
cometidos pela égide da contestação e da experimentação.
Porque a sessão nostalgia?
No feriado de 15 de novembro, tive
uma crise de cálculo renal que só se resolveu com uma intervenção cirúrgica
para a retirada da bendita da pedra que cismou de obstruir o ureter. Nunca
senti dor semelhante na vida e espero nunca mais sentir, um terror que me dá
arrepios ao lembrar.
Mas não é disto que quero falar.
Minha bronca reside em alguns comentários, supostamente solidários:
- O que é que vc anda comendo? Não
deve estar fazendo uma alimentação saudável.
- Voce bebe muita água? Ah, tem de
beber duzentos litros por dia.
- Ah, vc ainda toma refrigerante,
hummm, isso é um veneno...
- Eu tomo muito cuidado com a saúde,
justamente para não ter estes problemas.
Aonde, pergunto eu, aonde foi parar
o murmúrio solidário, a resposta empática, a pergunta sobre a melhora das
condições pessoais do doente?
Desde quando uma preleção sobre bons
costumes (incluo aí os alimentares) conforta alguém?
Você adoece e é culpabilizado por
isso. Se vc envelhece, se vc engorda, se vc fica triste, você é culpado de ter
deixado a falha acontecer.
As mazelas humanas estão perdendo
sua capacidade de despertar empatia. Se despertam algo, despertam alívio e sensação
de virtude no ouvinte.
Da próxima vez que ficar doente, eu
peço: Ajudem-me a me cuidar, mimem-me bastante e deixem a preleção para quando
eu ficar boa, combinado?