MEDO DOS MEDOS
imagem: Suran - Fear
Tenho medo dos meus medos.
Não tenho medo de todos os medos. Só de alguns.
Não tenho medo de ter medo de ladrão, de voar de avião (esse medo nem tenho mais, só não gosto, aleluia, menos um!).
Não tenho medo de ter medo de cobra, mato cerrado ou dar vexame numa situação de cerimônia, quando derrubo alguma coisa e mancho a roupa nova.
Também não tenho medo de ter medo quando me defronto com uma situação desconhecida, ou de ficar ansiosa querendo impressionar alguém que desejo que me deseje, nem tenho medo do medo de me sentir desamparada.
Tenho medo de outros medos meus.
Tenho medo do medo da dor, do medo do câncer, doença implacável que levou meus pais e antes de cumprir seu ato final, torna o viver indigno de ser chamado de vida e que me emburrece, levando-me a agir como se fosse imortal.
Tenho medo do medo que tenho do ódio, do ressentimento e do rancor. Tenho medo porque percebo que, mais do que o medo do objeto ou pessoa em si, o que realmente me atemoriza é descobrir que aquilo de eu mais tema, more também dentro de mim.
Ao invés de perguntar a alguém como pode fazer algo comigo, eu deveria lhe perguntar: Como pode despertar em mim coisas que não gostaria de saber que também sinto e possuo?
O medo vem do medo de não conseguir apenas sentir, de temer me ver de tal forma tomada por estes sentimentos, que não conseguiria escolher como agir.
Tenho medo do meu medo da maldade, que tantas vezes me torna meio cega e incapaz de discriminar a crueldade, deixando-me mais exposta a ela. Tenho medo do meu horror à violência, por perceber o contágio insidioso que ela promove e que conclama a minha violência a se exprimir. Tenho medo do meu medo de ser má e cruel, pois me impede de enfrentar com serenidade tanto a um como a outro.
Tantas vezes optei pelo “conforto” mais que relativo do lugar de vítima, a custo sempre alto e pouco recompensador. Outras vezes, silenciei. Silenciei tanto que calei também minha escrita, minha alegria, meu prazer em criar. E não impedi minha zanga, minha raiva e minha mágoa de existirem. A mágoa é uma má-água, como alguém me disse um dia, que fica estagnada dentro da gente e nos ajuda a adoecer, de corpo e alma.
Recentemente, quase encontro um dos meus medos maiores, a doença que temo e tenho como herança genética. Precisei me defrontar com as piores possibilidades para poder melhor enfrentar esta herança que, felizmente, não se apresentou.
Maldade, ódio, violência, também são minha herança, herança não familiar, mas de minha condição humana, como também o são bondade, amor, solidariedade e reparação.
Se a mágoa é uma má-água e a raiva e a vontade de calar ou destruir existem, não adianta negá-las, suprimi-las ou ignorá-las. Basta lembrar que há também a capacidade de amar, de se alegrar com pequenas coisas, de não desistir de um sonho ou meta mesmo quando eles não se realizam, de poder acreditar no futuro e me perceber inteira, mesmo com falhas, lugares escuros e demônios adormecidos.
Espero aprender a não mais temer meus medos ou meus males. Reconhecê-los, em mim, me permite ter a determinação de encontrar alternativas ou de criar derivativos para superá-los.