Clube das Almas Inquietas

Bem vindo todo aquele que quer mais do que o cotidiano pode oferecer

sábado, dezembro 25, 2004

SOFTLY AS I LEAVE

Meus pensamentos não admitem seu caráter conceitual, a forma abstrata de uma idéia. Nada disso. Atropelam-se, sempre em bando,convocando imagens que se desnudam ao olhar-me para dentro. Sem muita cerimônia ou pudor, as tais imagens pipocam na tela de minha imaginação, ricas em closes abruptos,panorâmicas, lentes macro colocando em evidência pequenos detalhes que emergem Deus sabe de onde, minúcias que transformam a compreensão de toda uma cena. ( fotógrafos e cineastas: perdão pelo uso indevido de algum termo, fruto exclusivo de minha ignorância do assunto)
Não tenho um passado ou memória única. Um mesmo acontecimento pode ser totalmente ressignificado, surpreendentemente tornado novo, pela nova compreensão dos velhos fatos. O que é ou foi importante, não é esquecido. É reconstruído.
Minha mente também tem trilha sonora. Volta e meia, uma música se torna quase onipresente - trilha sonora do momento. Quando isso acontece a linha melódica - sinuosa - insiste, insinua,alinhava, tonaliza, costura e borda os tais pensamentos, dando-lhes um sentido mais denso, um relêvo inusitado.
Estes últimos dias, tenho ouvido dentro de mim o início de uma música, da qual não lembrava nem quem era o intérprete ou sua continuação, mas que insistente anunciava:

Softly, I will leave you softly
For my heart would break if you should wake and see me go


O Google, inestimável, me ajuda:

SOFTLY AS I LEAVE
Autores: Hal Shaper - Antonio Devita - Giorgio Calabrese

Softly, I will leave you softly
For my heart would break if you should wake and see me go
So I leave you softly, long before you miss me
Long before your arms can beg me stay
For one more hour or one more day
After all the years, I can’t bear the tears to fall
So, softly as I leave you there

(softly, long before you kiss me)
(long before your arms can beg me stay)
(for one more hour) or one more day
After all the years, I can’t bear the tears to fall
So, softly as I leave you there
As I leave I you there
As I leave I you there


Como com aqueles a quem amamos e precisamos nos defrontar com sua perda inevitável, há sonhos que também se vão. É necessário saber deixá-los ir.Abrir mão de uma presença para não abrir mão da vida. Abrir mão do sonho para não abrir mão da capacidade de sonhar.
O Google aponta Frank Sinatra e Elvis Presley como intérpretes conhecidos desta canção. Tenho certeza de que não é deles a voz de minha memória, identificada como uma voz feminina. Não importa. Talvez a voz feminina em minha mente seja a minha mesma, em tempos de despedida.
Suavemente, sem lágrimas.

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quinta-feira, dezembro 23, 2004

BOAS FESTAS

O aspecto comercial da data dificulta a lembrança de que o Natal é uma festa de aniversário.
Comemoramos o nascimento de alguém cuja doutrina reafirma a força da vida acima e além das adversidades.
Natal, para mim, é celebrar a vida.
Por isso, desejo a todos que as festas de fim de ano
reavivem a fé na força vital existente em cada um,
fortaleçam a esperança de um futuro sempre melhor
e confirmem que a vida é um dom precioso.

Com carinho, boas festas e um 2005 cheio de promessas a serem realizadas.

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terça-feira, dezembro 21, 2004

O Natal de Drummond

Organiza o Natal
Carlos Drummond de Andrade

Alguém observou que cada vez mais o ano
se compõe de 10 meses;
imperfeitamente embora, o resto é Natal.
É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta:
10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito.
E não parece absurdo imaginar que, pelo
desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem,
o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era
civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas.
Será bom.

Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades
ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a
outra, de continente a continente, de cortina de ferro
à cortina de nylon - sem cortinas.
Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos,
marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de
fraternidade.
Os objetos se impregnarão de espírito natalino,
e veremos o desenho animado, reino da crueldade,
transposto para o reino do amor: a máquina de lavar
roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta
e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o
vestido de baile.
E o supra-realismo, justificado espiritualmente,
será uma chave para o mundo.

Completado o ciclo histórico, os bens serão
repartidos por si mesmos entre nossos irmãos,
isto é, com todos os viventes e elementos da terra,
água, ar e alma.
Não haverá mais cartas de cobrança, de
descompostura nem de suicídio.
O correio só transportará correspondência gentil,
de preferência postais de Chagall, em que noivos e
burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores;
toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço
do entendimento afetuoso.
A crítica de arte se dissolverá jovialmente,
a menos que prefira tomar a forma de um sininho
cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão,
celebrando o Advento.

A poesia escrita se identificará com o perfume
das moitas antes do amanhecer, despojando-se
do uso do som. Para que livros?
perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra
impressa com as tintas do sol e das galáxias,
aberta à maneira de um livro.

A música permanecerá a mesma, tal qual
Palestrina e Mozart a deixaram;
equívocos e divertimentos musicais serão
arquivados, sem humilhação para ninguém.

Com economia para os povos desaparecerão
suavemente classes armadas e semi-armadas,
repartições arrecadadoras, polícia e fiscais
de toda espécie.
Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.

O trabalho deixará de ser imposição para constituir
o sentido natural da vida, sob a jurisdição
desses incansáveis trabalhadores, que são os
lírios do campo.
Salário de cada um:
a alegria que tiver merecido.
Nem juntas de conciliação nem tribunais de
justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.

Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que
o guardavam, e que passarão a depósito de doces,
para visitas. Haverá dois jardins para cada
habitante, um exterior, outro interior,
comunicando-se por um atalho invisível.

A morte não será procurada nem esquivada,
e o homem compreenderá a existência da
noite, como já compreendera a da manhã.

O mundo será administrado exclusivamente pelas
crianças, e elas farão o que bem entenderem das
restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.

E será Natal para sempre.








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