Clube das Almas Inquietas

Bem vindo todo aquele que quer mais do que o cotidiano pode oferecer

sábado, abril 30, 2005

Corrente

Fui indicada pelo Mercelo, do Kayuá, para ser mais um elo de uma corrente que anda circulando pelos meios literários internéticos. Reproduzindo o que me foi informado, é uma corrente foi criada pela Micas, do blog português A Coisa da Micas. Aqi vão as perguntas e as respostas dadas:

Ex-Libris da Tugosfera

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Não vou fazer por pouco: Mensagem de Fernando Pessoa

Já alguma vez ficaste apanhadinho(a) por um personagem de ficção?
No cinema, Cecília, a protagonista de A Rosa Púrpura do Cairo; na ficção: Ana Terra de O Tempo e o Vento de Erico Veríssimo.

Qual foi o último livro que compraste?
Poesia - Obra Completa vol.I de T.S. Eliot

Qual o último livro que leste?
A Po-Ética da Existência de Gilberto Safra , Contos de Katherine Mansfield e um livro de contos da Alice Munro.

Que livros estás a ler?
Tiempo y Espaço, uma coletânea de artigos da Sociedade de Psicoanálisis de Bs Aires, Criatividade do Domenico di Masi e The Second Time Around de Mary Higgins Clark.

Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
The complete works of Willian Shakespeare, Peter Pan de J.M. Barrie, Obras completas de Fernando Pessoa, Antologia Poética de Vinícius de Morais, O tempo e o Vento de Érico Veríssimo.

A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e por quê?
Miss Kafka do blog Kafkiano, Kiroptera do blog com o mesmo nome, A Íris do Inmyself e a Beta do Betamania. Porquê? Porque os admiro muito e porque talvez achem divertido participar desta corrente.

|

sábado, abril 16, 2005

Lisboa mais uma vez revisitada

Ao abrir a janela, suspirou. A névoa matutina dissipava-se, morosa, revelando um céu de azul límpido e suave. A avenida larga,muito extensa, ladeada por elegantes prédios em pedras muito claras,convidava o observador a desvendar os segredos da cidade.
Lisboa é linda, pensou, feliz por tê-la escolhido como primeiro pouso em seu primeiro vôo solo. Nunca tinha se aventurado a distanciar-se do ninho, protegida pela segurança do que conhecia desde sempre. A língua, é claro, tinha sido determinante na escolha. Sabia que o peso da incomunicabilidade seria demais, não quis expor-se a ousadias maiores do que poderia suportar. Diante da janela, observando a luz espalhar-se pelo quarto, quase aceitou em voz alta o convite implícito: Eis-me aqui, finalmente.
Percebia-se tendo uma sensação curiosa, como se seus genes fossem mais que cromossomos ou cadeias de aminoácidos, fossem sim, presenças vivas dentro dela. Numa cidade desconhecida, sentia-se em casa. Vestiu-se, desceu para o desjejum, obteve alguns mapas da cidade no balcão da recepção e foi para a rua.
A avenida, tão convidativa do alto, torna-se quase grande demais e quando o porteiro lhe pergunta: - A menina deseja tomar o autocarro? - custa a entender a expressão. A menina é ela, autocarro é ônibus, eléctrico é o bonde, mas é um táxi que escolhe, pedindo ao motorista que a leve a esmo, aos lugares que mais aprecia. Nada de city-tours ou visitas guiadas, que a leve, por favor, aos lugares que mais ama. O anfitrião não parece estranhar o pedido, estudando o mapa à sua frente, prometendo conduzi-la a pontos estupendos de sua cidade, tão bela, há de ver.
Passeia pela Torre de Belém, os Jerônimos, Alfama, a Baixa, o Rossio, nomes melodiosos, casarios de azulejos, ladeiras e mais ladeiras anunciando as sete colinas da cidade e mil anos de história. O dia é curto e as tardes não são longas no outono. Ao chegar ao Castelo de São Jorge, as pedras acinzentadas já se tingem num leve tom de rosa. Pouco tempo lhe resta, em menos de uma hora, encerra-se a visitação.
Castelos a fascinam, viveu de construí-los e, ao perceber-se em um, de fato, o fato é que lhe parece irreal. A quase total ausência de visitantes, pela hora tardia, facilita a impressão de sonho ou de outra realidade. Há tanto para ver, há tanto que foi visto, sente-se até um pouco tonta ao caminhar pelos jardins que circundam a fortaleza. Percorre os espaços, senta-se às ameias, contempla o Tejo, impertubado, à sua frente. Quase entrevê caravelas transmutando-se em navios, passageiros ao convés, despedindo-se da pátria e da família. Imagina o avô, quinze anos, rapazote aventureiro, indo sozinho trabalhar com o patrício atacadista, amigo da família; a outra avó, muito menina, levando consigo, da aldeia natal talvez, um saquinho de cerejas ou apenas a lembrança do gosto das castanhas assadas na brasa.
Sobe à torre, passeia pela plataforma das muralhas, a presença da avó cada vez mais forte. A vista do castelo é quase esquecida, ela é, sim, menina, sentada a seu lado, a admirar-lhe as mãos de dedos longos e finos, tão hábeis em bordar-lhe vestidos, cozinhar-lhe quitutes, pentear-lhe os cabelos, em aconchegar-lhe as cobertas.
Busca o casaco, arrepiada com o vento que vem do rio, abraçando-se com força, a presença da avó mais forte ainda, intensa, como há muito não sentia. Revive as noites que passou com ela, a mão gentil a acariciar-lhe o braço, as conversas após a janta, as cadeiras de ferro do jardim, confortada pela voz serena, que não ria de seus medos nem menosprezava suas zangas.
Há algo naquele lugar. Há algo que é mais que seus genes ou sua imaginação fantasiosa. Há algo que invoca Margarida e a traz junto a si, neste castelo.
O nome próprio elucida o enigma. Nome de flor, da avó que cheirava à flor. Não a margaridas, não sabe ou não lembra do cheiro das margaridas, mas a avó com nome de margarida e cheiro de jasmim. Cheiro do perfume da avó doce e forte. Cheiro das noites da infância, impregnadas com o odor que emanava das touceiras junto à varanda da sala, o mesmo cheiro que exala dos pés de jasmim espalhados pelos jardins naquele castelo em Lisboa.

|

quinta-feira, abril 14, 2005

PERDIDA NA ÁFRICA

Minha idéia de vida selvagem é passeio em Zoológico.
Odeio selva. Que que eu tou fazendo aqui?
Por que fui aceitar este convite? Eu? Na África?
No meio dessa savana? No meio dessa estranheza?
Tudo me assusta. A paisagem, o desolamento, os ruídos estranhos, essa imensidão, meu Deus.
Já quase morri de medo naquele avião. Douglas não sei que lá.
20 lugares. Eu só via a fuselagem frágil, tão frágil, rebite sim, rebite não. Onde estão os rebites? Será que cai uma asa? E se o motor falhar? Quem tirou os malditos rebites?
Duas horas voando baixo, cada vez mais para dentro da selva, cada vez menos conhecido. Selva , savana, é selvagem, me salvem!
O aeroporto, era o que dizia a placa de madeira debochada, nada mais era que uma imensa palhoça de lado e uma cerquinha vagabunda - para impedir os elefantes de entrar na pista de pouso, me contaram,quinhentos metros de terra batida e olhe lá.
O Land Rover esperando e um guia, quase azul, tão negra a pele, num inglês mais que tosco, só menos tosco que a dentadura feita de massa. Fujo da vastidão e olho a dentadura, fascinada.
Tenho a sensação de que me prendo a detalhes. Não posso encarar a vastidão dessa savana, a ausência de sinais e carros e outdoors. A dentadura parece feita de cimento de dentista sim, um verme esbranquiçado,petrificado,colado na gengiva, um totem bucal, penso meio histérica com o calor, o cansaço e o medo, um totem de sulcos brancos no lugar dos dentes homenageando a Mama África.
E eu, indo para o coração da África, penso nos rebites que faltam e nos dentes que faltam. Penso no que falta, porque eu sei o que falta.
O que eu não penso, não quero pensar é no que não sei até encontrar.

|

terça-feira, abril 12, 2005

O ABOMINÁVEL ABDIAS

- “Abominável!”
Era assim mesmo que o Abdias falava do amarelo. Abominável.Vou lhe dizer, Abdias era homem de cismas, de implicância forte. No que ele implicava, fechava o tempo e aí não tinha jeito. Pro homem voltar ao normal, era um custo.
Quisesse o amigo ver o Abdias ficar louco, era só começar a cantar:
- Encontrei o meu pedaço na Avenida/ De camisa amarela/ Cantando a Florisbela, oi, a Florisbela...
A resposta vinha à jato:
-“Bem fez ele, que quando curou a carraspana, queimou a maldita.”
Aqui no bar, o povo todo conhecia as manias do Abdias. Na sinuca, dava-se ao desfrute de ignorar a bola amarela, mesmo quando a bendita era a da vez. Suicidava, dava espirro, fazia “macê”, qualquer coisa prá nem tocar na coitada. E ai de quem palpitasse no assunto. Abdias fechava a cara, sem admitir discussão ou brincadeira, o mau humor estalando, numa constância de desgostar que vinha, os poucos amigos diziam, desde os tempos de menino. Aquilo não era gosto, era desgosto mesmo, capaz até de trazer bile à boca, só não trazia porque bile é amarela e em boca de Abdias, amarelo, nem pensar. A raiva do Abdias não era só na bola amarela da sinuca, não. Era raiva de tudo que fosse amarelo. Roupa, casa, comida, parede, fruto ou flor. Se amarelo fosse, meu amigo, Abdias mandava ver: Abominável!
Com cheiro também. Hi, com cheiro, só vendo. Do amarelo ele tinha raiva, do cheiro tinha horror. Bastasse o cheiro lhe chegar às narinas, o homem seco, durão, de pouca fala, que viu perder pai, mãe e a mulher, uma santa, que Deus a tenha, vomitava as tripas, a alma, o que tivesse dentro, ficava entregue, um trapo, coisa de louco. Eu perguntava, que é Abdias? Abdias mal falava, caia no engulho, anunciando o vômito: - Abo... Pronto, desastre espalhado. O povo encarnava, claro, não era à toda que só chamavam ele de Abominável Abdias, sabe como é, o povo provocava e falava: Vai uma manguinha, uma carambola, Abdias? Só pra ver o Abdias engulhar.
Passasse com ele na feira, num almoço, numa calçada, sentia o tal cheiro e mudava o rumo, ficava verde, a cara torta. Em casa de Toninho nem chegava perto. Olhe que aqui não é que nem junto de praia, uma brisinha pra amenizar o calor. Aqui é estufa, de derreter miolo, deixar moleza e dor de cabeça. A calçada de Toninho é coisa rara, sombra caída dos céus, cada mangueira de uns cinqüenta anos, desde os tempos de menino, ainda estão lá. A garotada ficava doida com a frutarada, oferecida de bandeja, diga um nome, espada, carlotinha, rosa, tinha todas. E o escorrega? Parecia descer do céu, escondido na rama da forquilha mais alta, ah, saudade... Os galhos eram casa de Tarzan, navio de pirata, forte apache, cada dia uma coisa. Abdias não tinha ainda essas frescuras, mas tinha outras. Nem parecia guri, não gostava de bicho, sujeira, escorrega nem pensar. Menino não perdoa, o amigo sabe, não é que um dia amarraram Abdias e o puseram escorrega abaixo? Lá foi ele de cambulhada se estatelar num monte de mangas meio podres que o pai do Toninho tinha juntado pra enterrar.
Caiu lá, no meio da maçaroca gosmenta, das moscas e dos vermes, o suco esmagado escorrendo da boca, dos olhos, ele engasgando e vomitando, o cheiro forte da fruta no ar, a gente rindo, ele quase apagando, o pai do Toninho chegando e gritando com a gente que coisa abominável, engraçado, foi a primeira vez que eu ouvi essa palavra: abominável. Levou tempo pra Abdias voltar a falar com a gente, mas em casa de Toninho, nunca mais. Abdias era boa alma, só era esquisito.
E agora, aqui na sinuca, vendo o amigo jogar e dizer não gostar de amarelo, lembrei do finado Abdias. Ia lhe ter simpatia e dizer:
- Abominável. Amarelo é abominável.

|

domingo, abril 03, 2005

Enigmas no mundo

(para Geraldo e Laélia)


Todo mundo tem, ao menos,
um enigma na vida.
Segredos de si mesmo,
moldados em tempos primevos,
originados de perguntas
sem respostas.
Decifrá-los se traduz
em canção sem palavras,
melodia singular.
Por vezes tocada
fortíssimo,
outras vezes,
docemente,
quase imperceptível.
Afirmo que é todo mundo.
Sim, assim o sinto.
Tenho a pretensão
de poder falar mais do que
apenas de mim.
Falar só de mim,
não me bastaria.
Não sei falar de mim
sem dirigir-me a ti,
sem incluir-te em mim.
O que quer que eu fale,
Revelará apenas a imagem de mim
Que é vista por ti.
Preciso de ti
para criar meus segredos.
Preciso de ti
para formular-me em perguntas.
Preciso de teus sinais e
olhares e palavras,
outros sons,
aquém e além de mim.
Estou e não estou só,
quando toca a música
que dedilha meus enigmas.
Nela me desdobro
em infinitas variações.

|

sexta-feira, abril 01, 2005

De quem é o primeiro de abril?

A comemoração do 1º de abril tem origem em 1564 quando Carlos IX, rei de França,instaurou o calendário gregoriano modificando a comemoração de Ano Novo para 1º de janeiro, quando antes era comemorado entre 25 de março e 1º de abril, o primeiro dia da primavera na Europa.
Aqueles que tiveram dificuldades em assimilar a nova data e ainda se mantinham no antigo sistema eram vítimas de uma série de brincadeiras e trotes com o intuito de serem expostos ao ridículo.
Tanto é que, na Inglaterra, quem "cai em 1º de abril" é chamado de noodle (pateta). Na França, de poisson d'avril (peixe de abril) numa alusão “à abundância de peixes nesta época, caindo facilmente nas redes dos pescadores. Na Escócia são chamados de april´s gowk (tolo de abril) e nos Estados Unidos, de april´s fool (bobo de abril).
O que me chama a atenção é que, se nos país de origem desta tradição, enfatiza-se a tolice daquele que é incapaz de reconhecer as mudanças ou estabelecer um juízo de valor baseado no reconhecimento da realidade, o mesmo não acontece aqui no Brasil, ao menos (não sei como é designado em Portugal e nas colônias de língua portuguesa).
Aqui celebramos o dia da mentira. Celebramos a capacidade de engodo e não a inadequação da resposta.
Penso que é um triste sinal de uma cultura que valoriza mais a capacidade de enganar do que a estupidez do enganado.
Quem são os tolos? Pergunto eu.

|